terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Por Deus, pelo público e pela Sonnora.

Como prometido, um conto da Sonnora pra vocês.

Todos os personagens desta História são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

Sábado, 05 de Junho de 2010.

O som louco das guitarras enchia o ambiente apertado do “Botekim” com um barulho ensurdecedor. O ar estava pesado e cheirava a fumaça de cigarro. Chris já se perguntava: “que diabos eu estou fazendo aqui?” As pessoas ao seu redor eram estranhas, aquele não era o seu público. Ele estava acostumado a tocar para garotas de vestidos chiques e sapatos de salto alto e, DEFINITIVAMENTE, aquele não era o seu público. Sua banda, a Sonnora, tocava um som mais pop, eles eram uma banda de Pop Rock, e de repente estavam num bar cheio daquele Rock’n Roll barulhento e corpos distorcidos, mexendo-se como povos tribais.

Chris tinha passado um dia difícil naquele fatídico sábado; estava sozinho em casa vendo um filme (O Livro de Eli). Depois que a tempestade de um fim de relacionamento havia passado, aquele era o primeiro dia em que de verdade sentia saudades dela. Aquela garota de olhos grandes tinha sido a razão de sua medíocre existência durante cinco longos anos. Junto a ela Chris havia vivido os melhores dias de sua vida e, conseqüentemente, sem ela ele viveu os piores. Como ele mesmo costumava dizer: “fui ao inferno e tive sorte de voltar de lá pra contar a história”. Desde o fim dos dois, ele não havia mais visto a garota de olhos grandes e duvidava muito que isso um dia fosse a acontecer. Agora ele estava ali, naquele maldito bar, prestes a tocar para um público que não era o dele e ouvindo uma música que não se parecia em nada com a que ele costumava fazer.

Pouco a pouco, o público da Sonnora começou a chegar, era nítida a diferença entre eles e as pessoas que freqüentavam o Botekim naquela noite. Ele estava próximo à porta e recepcionava pessoalmente todos aqueles que vieram para vê-lo cantar. E foi enquanto fazia isso, que o impossível aconteceu. Aqueles olhos grandes e lindos despontaram na entrada daquele maldito bar; Amanda. Tão linda quanto ele podia se recordar, com um vestido preto e os cabelos presos em um “rabo de cavalo”. O coração de Chris parou naquele momento. Ele estava programado para reagir naquele ambiente estranho, com pessoas estranhas, mas não com ela lá dentro, não dividindo o mesmo espaço que a garota que deixou para trás há quatro meses (para ele pareciam quarenta anos).

Eles se olharam, parecia um filme... Não sabia mais o que fazer, nem o que dizer, nem como se comportar... Não era mais o mesmo cara.

-Oi!_ arriscou a primeira coisa que veio à cabeça.

- Oi!_ respondeu ela, se sentindo tão estranha quanto ele.

- Vamos conversar?_ Arriscou uma frase mais complexa.

- Chris, esse não é o momento. A sua banda será a ultima a tocar, falamos depois._respondeu seca.

- Duvido muito. Na verdade eu acho que você pegou o seu CrossFox e dirigiu a mil por uma estrada completamente diferente da minha, duvido que tenhamos outra oportunidade._ Mais uma frase imbecil. Pronto. AGORA ELE ERA UM IMBECIL COMPLETO.

Ela fez uma cara de “que pena, então”, torcendo a boca. Ele saiu do bar, respirou fundo, contou até 10 e voltou, fazendo de conta que nada estava acontecendo.

Cruzou o bar inteiro, encontrou um de seus companheiros de banda e desesperado falou:

- Fred!!! Cara, me ajuda por favor. Eu vou embora, não posso mais ficar aqui._ Disse, desesperado.

- Calma, Chris. O que é que aconteceu?_ respondeu o guitarrista da Sonnora.

- Ela tá aqui cara... ela tá aqui!!!

- Ela quem?

Foi quando Fred viu. Parecia uma alucinação, Amanda estava lá. Depois de quatro meses sem nenhuma notícia, ela estava lá.

- Cara, fica calmo, agora é que a gente tem a obrigação de botar pra fodernesse show. Vai dar tudo certo._disse Fred.

Chris consentiu com a cabeça. Nela passava um filme. Um filme de cinco anos em flashs rápidos e descontínuos. Tomou uma decisão. “Vou beber alguma coisa.” Correu até o balcão e pediu uma dose de Red Label. Bebeu em grandes goles. A droga do filme não parava de passar dentro da sua cabeça.

-Preciso de outra dose._Disse em voz baixa, enquanto cruzava com ela no salão do Botekim. Assim ele fez. Tomou outra dose da bebida.

O som não parecia mais ruim... Ele já se mexia como os demais loucos naquele manicômio em forma de bar. O Red Label corria pelas suas veias, como se estivesse sendo invadido por um espírito estranho. Quanto mais bebia, sentia que precisava de mais.

O show começou. Alguém falava no microfone:

- Senhoras e senhores. Essa noite, no palco do Botekim... SONNORA.

Demorou um pouquinho até que ele percebesse que chamavam a sua banda. Correu, subiu no palco. Ainda estava lúcido. Lembrava de ver seus companheiros de banda, cada um arrumando o seu instrumento. Lembrava-se de ver a platéia estranha (naquele momento nem tão estranha assim) esperando o que viria daquela banda. Lembrava-se de ter dito algum “bla bla bla” de apresentação, e de sua ultima frase de lucidez:

- Por Deus, pelo público e pela Sonnora.

A primeira música estava sendo executada, seus batimentos cardíacos se aceleraram com toda aquela adrenalina, o “Red” corria mais rápido na sua corrente sanguínea.

Meu Deus, eles estão gostando_ pensou, vendo o público voltando a dançar.

Sua audição foi sumindo gradativamente até que naquele palco não sobrasse mais nada do velho Chris. Um cara sem vícios, que não bebia e nem fumava. Um cara certinho, politicamente correto. Não era mais ele naquele palco... Ele era agora um daqueles espectadores, vendo seu corpo respondendo a comandos que não eram os dele.

- Chris, o que você está fazendo??? A letra da música não é essa!_ tentava desesperadamente dizer isso, mas o novo Chris não estava nem aí.

Um cara que ele não conhecia estava em cima do palco cantando como um louco, correndo para um lado e para o outro, fazendo tudo que um vocalista de pop rock não devia fazer. Mas, o que era de se espantar, aqueles malucos na platéia estavam gostando.

Ouviu Fred dizer: “Tenha cuidado”.

Gritou pra si mesmo: “Escute o cara, deixe de ‘macacada’.”_ mas era tarde demais.

- Chris!! Você está bem?_ perguntou Evert, o baterista.

Fez sinal de positivo pra ele. Bem, uma ova; Chris estava desesperado.

Viu Amanda mais uma vez cruzando o salão, pensou em chamá-la, mas o que ia dizer? O que ele ia fazer? Aquele cara que estava cantando não era o cara que ela havia amado. Ele não era daquele jeito.

O show continuou até que tocassem a ultima música. Desceu do palco exausto. Tentou retomar a consciência, pediu desculpas aos colegas pelo excesso. Pessoas o paravam e elogiavam o show, davam apoio, gritavam: “FOI DE FODER!!!”. Ele sabia que não tinha sido nada daquilo, não era assim que ele tinha aprendido a tocar, a cantar... Despediu-se de todos, cruzou com Amanda pela última vez, acenou, com a cabeça, para ela. Não soube traduzir aquele último olhar, não sabia se ela estava com vergonha dele ou se da situação do encontro.

Pegou o carro e foi embora, não sabia como havia chegado a sua casa. As coisas foram ficando escuras. “Capotou” na cama, de cansaço. Aquele Chris, o novo Chris, disse suas ultimas palavras e apagou.

- Por Deus, pelo público e pela Sonnora.

Tudo ficou escuro. O dia logo amanheceria e ficaria tudo bem. Ele voltaria a ser ele.

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